sábado, 12 de novembro de 2016

O Espelho -( * Conto Popular Nordestino Brasileiro e o Chinês )



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Era um homem que não sabia quase nada. Morava longe, numa casinha de sapé esquecida nos cafundós da mata. 

Um dia, precisando ir à cidade, passou em frente a uma loja e viu um espelho pendurado do lado de fora. O homem abriu a boca. Apertou os olhos. Depois gritou, com o espelho nas mãos: 

- Mas o que é que o retrato de meu pai está fazendo aqui? 

- Isso é um espelho - explicou o dono da loja. 

- Não sei se é espelho ou se não é, só sei que é o retrato do meu pai. 

Os olhos do homem ficaram molhados. 

- O senhor... conheceu meu pai? - perguntou ele ao comerciante. 

O dono da loja sorriu. Explicou de novo. Aquilo era só um espelho comum, desses de vidro e moldura de madeira. 

- É não! - respondeu o outro. - Isso é o retrato do meu pai. É ele, sim! Olha o rosto dele. Olha a testa. E o cabelo? E o nariz? E aquele sorriso meio sem jeito? 

O homem quis saber o preço. O comerciante sacudiu os ombros e vendeu o espelho, baratinho 

Naquele dia, o homem que não sabia quase nada entrou em casa todo contente. Guardou, cuidadoso, o espelho embrulhado na gaveta da penteadeira. 

A mulher ficou só olhando. 

No outro dia, esperou o marido sair para trabalhar e correu para o quarto. Abrindo a gaveta da penteadeira, desembrulhou o espelho, olhou e deu um passo atrás. Fez o sinal da cruz tapando a boca com as mãos. Em seguida, guardou o espelho na gaveta e saiu chorando. 

- Ah, meu Deus! - gritava ela desnorteada. - É o retrato de outra mulher! Meu marido não gosta mais de mim! A outra é linda demais! Que olhos bonitos! Que cabeleira solta! Que pele macia! A diaba é mil vezes mais bonita e mais moça do que eu! 

- Quando o homem voltou, no fim do dia, achou a casa toda desarrumada. A mulher, chorando sentada no chão, não tinha feito nem a comida. 

- Que foi isso, mulher? 

- Ah, seu traidor de uma figa! Quem é aquela jararaca lá no retrato? 

- Que retrato? - perguntou o marido, surpreso. 

- Aquele mesmo que você escondeu na gaveta da penteadeira! 

O homem não estava entendendo nada. 

- Mas aquilo é o retrato do meu pai! Indignada, a mulher colocou as mãos no peito: 

- Cachorro sem-vergonha, miserável! Pensa que eu não sei a diferença entre um velho lazarento e uma jabiraca safada e horrorosa? 

A discussão fervia feito água na chaleira. 

- Velho lazarento coisa nenhuma! - gritou o homem, ofendido. 

A mãe da moça morava perto, escutou a gritaria e veio ver o que estava acontecendo. Encontrou a filha chorando feito criança que se perdeu e não consegue mais voltar pra casa. 

- Que é isso, menina? 

- Aquele cafajeste arranjou outra! 

- Ela ficou maluca - berrou o homem, de cara amarrada. 

- Ontem eu vi ele escondendo um pacote na gaveta lá do quarto, mãe! Hoje, depois que ele saiu, fui ver o que era. Tá lá! É o retrato de outra mulher! 

A boa senhora resolveu, ela mesma, verificar o tal retrato. 

Entrando no quarto, abriu a gaveta, desembrulhou o pacote e espiou. Arregalou os olhos. Olhou de novo. Soltou uma sonora gargalhada. 

- Só se for o retrato da bisavó dele! A tal fulana é a coisa mais enrugada, feia, velha, cacarenta, murcha, arruinada, desengonçada, capenga, careca, caduca, torta e desdentada que eu já vi até hoje! 

E completou, feliz, abraçando a filha: 

- Fica tranqüila. A bruaca do retrato já está com os dois pés na cova!


Fim ! 


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Versão em Conto Chinês :


Juntar os pedaços do espelho partido
       Trata-se duma história bastante trágica, mas com um desfecho feliz.
       Estava-se nos últimos anos do período da dinastia Sul e Norte, que decorreu entre 420 e 589 depois de Cristo. O primeiro-ministro Yan Jian, do imp´
Erio Zhou do Norte, matara o imperador Jing e estabelecera a dinastia Sui; e, com as suas bem treinadas forças armadas, marchava para o Sul, onde o trono era ocupado pelo imperador Chen Shubao.
       Este imperador era um homem corrupto, e o seu império estava seriamente ameaçado. A princesa Le Chan, irmã mais nova do imperador, e seu marido, Su Deyang, já previam uma desgraça e, certo dia, disse o marido à mulher:
       -- Se o nosso país for subjugado, tu, como princesa que és, serás capturada a elvada para o Norte, e teremos de nos separar. No caso de conseguirmos sobreviver, espero que, um dia, venhamos a encontrar-nos de novo.
       Dito isso, o marido pegou num espelho redondo, partiu-o em dois pedaços e ficou com um deles para si, entregando o outro à esposa. O casal combinou então que na primeira Festa das Lanternas após a separação – os chineses comemoram esta festa no 15º dia do primeiro mês do calendário lunar – se procurariam um ao outro, fingindo vender espelhos. A metade do espelho que cada um levaria consigo seria o sinal para se reconhecerem, e o lugar seria a capital do império vencedor, ou seja, a cidade de Chang´an.
       Após o derrube da dinastia Chen do Sul, a princesa, tal como o casal previra, foi capturada e levada para Chang´an, onde foi obrigada a tornar-se concubina do aristocarta Yan Su.
       No dia da Festa das Lanternas, tal como fora combinado, o marido, que havia percorrido longa distância e conseguira chegar à capital do império, foi “passear” pelas ruas mais movimentadas, à procura da outra metade do espelho.
       E não foi em vão: encontrou um velho a vender espelhos antigos, entre os quais decobriu a metade do espelho que ficara com a princesa. De facto, o velho, criado da família do aristocarta Yan Su, fora incumbido pela princesa de ir para a rua vender espelhos, à procura de Su Deyang.
       Sabendo pelo velho que a esposa se havia tornado concubina do aristocrata, o marido ficou decepcionado, e escreveu, na metade do espelho que pertencia à mulher, o seguinte poema:
       “A pessoa e a outra metade do espelho foram-se! Agora que o espelho reaparece, a pessoa não regressa.... A lua continua a brilhar, mas a sua deusa desapareceu para sempre”.
       O interessante é que, inteirado do caso, o aristocrata Yan Su se comoveu com os profundos sentimentos do casal, e devolveu a princesa ao seu legítimo esposo, Su Deyang.
       Eis a origem do provérbio Juntar os pedaços do espelho partido, ou, numa versão talvez mais feliz, Recompor o espelho partido. Ainda hoje este provérbio continua a ser muito usado entre os chineses, para significar a reconciliação dum casal, ou o reencontrou dum casal separado por qualquer motivo. OU seja, em vez de “o casal reconciliou-se”, os chineses dizem que o casal juntou os pedaços do espelho partido, ou recompôs o espelho partido.

Fim !

Tanto as duas Histórias são lindas e possui uma bela mensagem .


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